Lá venho eu novamente. Caminhando com vagar, bíblia na mão, terninho engomado, camisa branca ou qual cor seja a preferência, sapatos lustrados, jeito de importante. Ah, sim! Esqueci-me da gravata; não é das caras, mas provoca boa aparência.
Penetro pela porta templo adentro. Saúdo os mais privilegiados não me importando em dispensar atenção aos mais humilde. Preparo rapidamente minha mensagem. Às vezes sinto que sai como alimento cozido às pressas e sem tempero. Mas, que importa! O povo “taí”. Canto meu hino e muitos me admiram, o que acho muito bom. É bom ser visto e ser alvo de apreciação.
Termina o culto. A mesma rotina. Saúdo as poucas pessoas de meu interesse e os demais não fazem parte da minha atenção. Não poucas vezes evito os que me pedem ajuda. Puxa! Essas pessoas quase ou nada oferecem; só pedem auxílio. Meu tempo é precioso, não quero desperdiçá-lo.
Vou-me embora.
É noite. Lá venho eu novamente. Agora voltando, quero descansar. A reunião de celebração na igreja foi cansativa. Chego em casa; preparo-me para dormir, mereço. Minha oração resume-se em vinte palavras. Dormi. Caí num profundo sono.
De repente uma luz ilumina todo o ambiente de minha mente. Não discerni se era sonho ou revelação – essas coisas são meio confusas – mas vi tudo claramente. Notei que um grande livro antigo, por si mesmo, abria-se. Um dedo apontava para uma escrita que nele havia. Li. Era a passagem de Mateus 23: 1-8.
Então uma voz falou-me em tom quase que de grito, assim: Homem! Você se autodenomina cristão! Dizque é filho de Deus! Alardeia que seu nome está escrito nos céus! Escuta, e dê ouvidos ao que vou falar.
Vejo sua entrada e saída, seu calar e bradar, apregoar das plataformas e nos lugares públicos a sua bondade. É pontual nos dízimos. Um exímio estudante das escrituras, no entanto, não se adapta ao Espírito de seus ensinamentos.
Você é sábio no sacrifício, mas pouco instruído na obediência. O que foi que o fez ficar assim? Minha riqueza? Minha Glória, para que a soberba se manifestasse em seu coração a ponto de desprezar os pobres e humildes de espíritos que são as jóias do meu reino e as brasas do meu altar? Estende a sua mão ao que já está abastado, porém nega um olhar que dele necessita. Acaso não me tornei pobre para por um fim a sua pobreza?
Despreza você o seu próximo.
Dormindo como estava senti-me perturbado, e a voz continuou.
Ouça-me para verdadeiramente viver. Misericórdia quero e não rituais. Isso excita minha ira e leva-me a exercer juízo. Quando o pobre clama você fecha os ouvidos. Um dia você clamará e não será atendido. A riqueza dominou suas ações? Que farei, de quem você recebeu esse ensino? Desmancha-se em belos discursos e sermões, todavia nada faz do que apregoa. Amo os que praticam a justiça, os que amam a beneficência e andam humildemente com seu Deus - se ainda considera-me seu Deus.
Aprenda que minha ordem é “IDE” por todos os lugares, à humanidade toda, rica ou pobre, com ou sem saber. Não me prenda por detrás de um paletó, ou como vocês chamam, “blazer” engomado, e não me sufoquem pelo nó de uma gravata estilo New York e outras coisas às quais você dá elevada importância. Desprenda-me das quatro paredes de sua comunidade. Viva minha vida que a sua será acrescentada. Não se envergonhe do Meu Nome, pois me despi de tudo por sua causa. Assuma-me.
“Eis que digo a você: Se a sua justiça não exceder a justiça dos hipócritas fariseus, jamais verá a minha face. Eu, Jesus, falei”.
De um salto, acordei-me. Tremendo e temeroso, levantei. Abri a bíblia na mesma passagem e na borda da página estava impresso: FARISEU SÉCULO XXI, década 06.
Amauri Galvão - Palavra que Funciona - Um Ministério obedecendo a chamada